Por que o estudo com plantas para análise de propriedades antiveneno de serpentes?
Desde a Antiguidade o homem utiliza as plantas como um recurso para combater as doenças que o acomete. Como produtos metabólicos, especialmente oriundos do metabolismo secundário, as plantas apresentam diversos compostos com propriedades farmacológicas comprovadas. Dessa forma, tanto o fator histórico, visto que grande parte da população mundial utiliza moléculas naturais como primeira linha terapêutica, quanto o potencial biotecnológico dos produtos naturais justificam os estudos de bioprospecção em plantas. O ofidismo é um problema de saúde público que atinge cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. O tratamento preconizado pela Organização Mundial da Saúde é a soroterapia. Contudo, um dos problemas do tratamento é que este não impede ou reverte os efeitos locais provocados pelo envenenamento ofídico, e com isso, são mantidas as comorbidades observadas no acidente, como paralisia do membro afetado ou até mesmo amputação. Por isso, se faz necessário buscar novas terapias que possam tratar não apenas o óbito, mas também que possam cuidar dos efeitos locais, evitando seu agravo e impedindo o surgimento das morbidades.
Quais os gêneros/espécies de plantas têm sido testadas? Alguma comestível?
Nosso grupo vem trabalhando com plantas de diferentes gêneros encontradas em biomas de Restinga – Baccharis arctostaphyloides, Erythroxylum ovalifolium, Erythroxylum subsessile, Manilkara subsericea, Myrsine rubra, Myrsine parvifolia, Piper divaricatum e Vernonia crotonoides – e de Cerrado – Stryphnodendron adstringens. Deste grupo de espécies temos como comestível o fruto de Manilkara subsericea, popularmente conhecida como maçaranduba ou guracica. Além da M. subsericea, temos dentro do gênero Piper a pimenta do reino (Piper nigrum), especiaria com relevante aplicação gastronômica. Com propriedades medicinais, podemos destacar o decocto da casca do barbatimão que é utilizado para diversas finalidades como por exemplo, antihemorrágico e cicatrizante, sendo comercializado em lojas de produtos naturais, sendo uma espécie que integra a Farmacopéia Brasileira e o RENISUS, lista de plantas medicinais de interesse ao Sistema Único de Saúde.
Em comparação com outros dados da literatura a respeito de plantas com potencial antiveneno, as espécies de plantas que o laboratório (LAVENOTOXI) testa apresentam melhores resultados?
Diversos grupos de pesquisa, do Brasil e do Mundo, vêm testando o potencial antiveneno de plantas contra venenos de diferentes espécies de serpente. Nossos resultados corroboram os dados encontrados na literatura, demonstrando o grande potencial que as plantas têm no tratamento dos efeitos provocados pelo envenenamento ofídico. Traçar um comparativo entre os nossos resultados e os encontrados na literatura é uma tarefa complexa e árdua, visto que os diversos grupos de pesquisas trabalham com venenos de diferentes serpentes, as atividades testadas variam e adicionalmente é percebido variação nas proporções veneno:planta utilizadas, dessa forma, a divergência metodológica inviabiliza a comparação. Todavia, a partir dos resultados obtidos cremos que algumas das plantas que investigamos no laboratório apresentam um potencial promissor e com resultados tão animadores quanto os encontrados na literatura. Ainda assim, fazemos parte de um pequeno grupo que trabalha com metodologias que visam a administração dos extratos vegetais e dos venenos sem incubação prévia, procedendo com protocolos de tratamento e prevenção dos efeitos.
Para quais espécies de serpentes são feitos os testes com plantas na tentativa de inibição de suas atividades tóxicas?
Nosso grupo testa as amostras contra os venenos de quatro espécies de serpente: Bothrops jararaca (responsável por 90 % dos acidentes botrópicos), B. jararacussu (a maior serpente do gênero Botrhops, e com uma capacidade de inoculação de veneno bastante acentuada, gerando casos graves de envenenamento), B. neuwiedi (espécie que compõe o pool de veneno botrópico para a produção do soro (pentavalente) antibotrópico) e Lachesis muta (a maior serpente peçonhenta das Américas e tendo seu envenenamento alta taxa de mortalidade). Entretanto, diversos outros grupos, não apenas do Brasil, possuem trabalhos contra outros gêneros, sendo os mais importantes Crotalus (também encontrada no Brasil), Naja (encontrada na Africa e Ásia), Echis (encontrada na África e Ásia), Bungarus (encontrada na Ásia) e Daboia (encontrada na Ásia).
Ao se confirmar inibição das atividades tóxicas pelo uso de uma determinada planta com potencial desenvolvimento de medicamento, qual seria a forma farmacêutica mais adequada para seu uso em um paciente?
A forma farmacêutica mais adequada varia de acordo com o objetivo do tratamento, isto é, se o intuito é a reversão dos efeitos sistêmicos ou dos efeitos locais do envenenamento. Como em nosso trabalho buscamos complementar a soroterapia, temos uma grande preocupação com os efeitos locais, visto que esses efeitos não são eficientemente neutralizados pelo antiveneno. Dessa forma, focando no uso tópico podemos destacar as pomadas, cremes, géis, emplastros, como as formas farmacêuticas mais adequadas para serem estudadas na tentativa de neutralização dos efeitos locais. Entretanto, buscando um tratamento mais amplo, com o impedimento do óbito, as melhores formas farmacêuticas seriam as de via oral (suspensão, solução, comprimido, cápsula).
Quais testes têm se apresentado mais satisfatórios, os in vitro ou in vivo?
Por haver um maior controle e menor número de variáveis, os resultados in vitro de forma geral costumam apresentar um melhor resultado para todas as plantas testadas. Todavia, algumas das plantas utilizadas apresentam resultados para os testes in vivo tão bons quanto os observados nos testes in vitro, e sabemos da relevância desses resultados, pois se assemelham as condições de envenenamento. Os testes in vivo possibilitam a investigação de diferentes protocolos (Prevenção e Tratamento), que são situações que mimetizam com maior acurácia as possíveis intervenções em caso de acidente ofídico.
Qual a opinião de vocês sobre o uso e estudo de plantas para a biotecnologia?
As plantas sempre ocuparam um lugar de destaque na história da humanidade, ora como fonte de alimento, ora para fins medicinais. Aproximadamente 25 % dos medicamentos utilizados hoje são derivados, direta ou indiretamente, de plantas. Isso demonstra a importância do uso de plantas para a biotecnologia, não apenas para o tratamento de diversas patologias, mas também para o entendimento de processos fisiológicos.
O uso e o estudo biotecnológico das plantas se justificam através do melhoramento genético dos vegetais, visando enriquecimento nutricional e qualidade dos frutos e/ou grãos produzidos; da bioprospecção, buscando novas moléculas com potenciais farmacológicos e comerciais; ou como biorreatores para a produção de vacinas e fármacos.
Dr. Eduardo Coriolano de Oliveira e Dr. Luiz Carlos Simas Pereira Junior – Laboratório de Venenos e Toxinas de Animais e Avaliação de Inibidores (UFF).
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Publicado: maio de 2019.