Alimentos ultraprocessados

Qual a diferença de alimentos in natura, processados e ultraprocessados?

O conceito de alimentos ultraprocessados foi desenvolvido por um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS), chefiado pelo professor Carlos Augusto Monteiro. Este grupo propôs uma classificação denominada NOVA que considera que a classificação dos alimentos deve ir além da sua composição nutricional. Isso porque, para além da composição em macro e micronutrientes (ex. gorduras, proteínas, açúcares, vitaminas, minerais), mecanismos não relacionados a nutrientes específicos (como a velocidade de ingestão e a hiperpalatabilidade do alimento) também parecem influenciar nas consequentes comorbidades associadas a uma alimentação de baixa qualidade. Nesse sentido, este grupo destacou que é importante classificar os alimentos segundo a extensão e propósito do processamento empregado antes do consumo do alimento e não somente pelos seus nutrientes, como era feito até então. O quanto o alimento passou por processamento industrial e qual a finalidade deste processamento tornou-se tema de destaque na prevenção da obesidade e outras doenças crônicas não- transmissíveis.

A classificação NOVA divide os alimentos em quatro grupos. Os alimentos ultraprocessados (pertencentes ao grupo 4) seriam formulações industriais contendo cinco ou mais ingredientes, inteira ou majoritariamente constituídos por substâncias extraídas de alimentos (como açúcar, óleos, gorduras, proteínas e sal) ou derivadas de constituintes de alimentos (como gordura hidrogenada, amido modificado, hidrolisados proteicos, açúcar invertido, xarope de milho). Essas formulações ainda recebem aditivos como antioxidantes, corantes, estabilizantes, conservantes, realçadores de sabor e edulcorantes artificiais. Exemplos desses alimentos são refrigerantes, salgadinhos de pacote, molhos prontos, macarrão instantâneo, embutidos, misturas para bolo, pães de forma, dentre outros.

Outros grupos de alimentos, segundo a classificação NOVA, seriam os alimentos in natura e minimamente processados (grupo 1), ingredientes culinários (grupo 2) e alimentos processados (grupo 3). Os alimentos in natura são aqueles que foram extraídos diretamente de plantas ou animais e não passaram por qualquer processo industrial, como carnes frescas, ovos, frutas, legumes, verduras, raízes e tubérculos. Já os alimentos minimamente processados são aqueles in natura que sofreram pequenos processos como limpeza, secagem e embalagem, assim como processos que aumentam a sua durabilidade como pasteurização, resfriamento ou congelamento.

Os ingredientes culinários são aqueles utilizados como temperos durante o preparo das refeições como sal, açúcar, óleos e gorduras. Por fim os alimentos processados seriam alimentos in natura ou minimamente processados que receberam ingredientes culinários como o sal e açúcar ou outra substância de uso culinário, para torná-lo durável e mais palatável. Exemplos seriam legumes e verduras preservados em salmoura, frutas cristalizadas, carne seca, sardinha e atum enlatados, queijos e pães feitos com poucos ingredientes como farinha de trigo, leveduras, água e sal.

Quais são os malefícios dos alimentos ultraprocessados?

Vários estudos, inicialmente no âmbito da epidemiologia e depois em várias áreas do conhecimento, têm apontado o consumo de alimentos ultraprocessados como potencial fator de risco para obesidade e doenças crônicas não-transmissíveis, como diabetes, hipertensão e câncer. Por exemplo, um estudo recente (2019) publicado na Cell Metabolism e conduzido pelo National Institutes of Health (NIH) nos Estados Unidos, mostrou que indivíduos expostos a uma dieta a base de alimentos ultraprocessados tendem a comer mais e, consequentemente, ganham mais peso do que quando expostos a uma dieta exatamente igual em composição nutricional, mas com alimentos que são nada ou pouco processados industrialmente. Portanto, limitar o consumo de alimentos ultraprocessados pode ser uma estratégia efetiva para a prevenção da obesidade e doenças associadas. Além disso, estes alimentos são pobres nutricionalmente favorecendo o surgimento de carências nutricionais, como a deficiência de vitaminas e minerais. Este grupo alimentar também tem como característica baixa quantidade de compostos bioativos, que são considerados fatores de proteção contra essas mesmas doenças citadas. Outro ponto a ser destacado é a hiperpalatabilidade desses alimentos, obtida através da combinação de ingredientes que são positivos ao paladar humano (açúcar, gordura e sal), maximizando os níveis de prazer gerados pelo seu consumo. Além disso, por serem altamente convenientes, estes alimentos podem ser consumidos em qualquer ambiente ou situação, e por isso se associam a um comer sem atenção que, por sua vez, estimula um consumo excessivo de calorias. A modificação da matriz original do alimento, observada na produção dos ultraprocessados, também vem se mostrando uma questão, uma vez que gera nutrientes acelulares que não são absorvidos da mesma forma quando estão em sua matriz original. O microbioma humano também parece ser impactado negativamente pelo consumo deste grupo de alimentos, resultando em um padrão inflamatório que também se associa ao maior risco de doenças crônicas não transmissíveis. É preciso ressaltar ainda que estes alimentos podem impactar negativamente a cultura, a vida social e sobre o meio ambiente.

Como podemos identificar alimentos ultraprocessados?

Os alimentos ultraprocessados contêm muitos ingredientes (geralmente mais do que cinco). Esses ingredientes são na maior parte artificiais e não são utilizados em preparações culinárias artesanais (como açúcar invertido e amido modificado quimicamente). Normalmente contém aditivos alimentares, como corantes, conservantes e aromatizantes, que muitas vezes visam mascarar algum aspecto sensorial negativo do produto ou torná-lo hiperpalatável. Açúcares, sódio e gorduras trans e saturada, são ainda ingredientes frequentemente encontrados em alta quantidade nos alimentos ultraprocessados.

Comente sobre a nova norma da rotulagem dos alimentos.

Tendo em vista a epidemia mundial da obesidade, a regulação dos produtos alimentícios embalados, que incluem os ultraprocessados, tem estado na pauta dos debates, incluindo a América Latina. Por exemplo, no Brasil foi publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.), no dia 09/10/2020, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 429/2020 e a Instrução Normativa (IN) 75/2020, que tratam da nova norma sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Além de medidas quanto a informação contida na tabela de informação nutricional na embalagem dos alimentos, a norma estabelece a adoção do sistema rotulagem nutricional frontal. Este sistema é um símbolo informativo a ser colocado na parte da frente da embalagem dos alimentos. A ideia é esclarecer o consumidor, de forma clara e simples, sobre o alto conteúdo de nutrientes insalubres no produto. Esta medida pretende facilitar a compreensão das informações nutricionais presentes nas embalagens dos alimentos, facilitando a escolha do consumidor por alimentos mais saudáveis. O sistema de rotulagem frontal aprovado no Brasil exibirá um desenho de lupa, identificando o alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.

Fale um pouco sobre o seu projeto de pesquisa.

Os alimentos ultraprocessados são hiperpalatáveis, além de serem promovidos por estratégias publicitárias agressivas. Devido a estas características, é possível que estes alimentos ultraprocessados possam desencadear respostas emocionais positivas. Dentre as estratégias de defesa sugeridas pelos setores de saúde pública, os sistemas de rotulagem frontal podem potencialmente minimizar o apelo positivo evocado pelas embalagens destes produtos através da conscientização do consumidor sobre o excesso de ingredientes insalubres (como açúcar, sal e gorduras) de maneira simplificada e acessível. O entendimento dos mecanismos emocionais básicos de sobrevivência, relacionados à motivação para aproximação de estímulos positivos e afastamento de estímulos negativos, pode ser útil na avaliação da eficiência de tal abordagem. Da mesma forma que a indústria alimentícia utiliza pistas ambientais que implicitamente associam os seus produtos à aspectos emocionalmente positivos, os sistemas de rotulagem frontal, poderiam, em contrapartida, minimizar este apelo. Nós desenvolvemos pesquisas no Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento na UFF que pretendem testar a eficácia dos modelos frontais de rotulagem propostos em vários países, aplicando técnicas e conceitos em Neurociências, a fim de embasar sua elaboração e implementação.

Por exemplo, uma das propostas de sistemas de rotulagem frontal levantada por diversos países, e que já foi considerada pelo Brasil, é a aplicação de um rótulo na frente da embalagem, em formato de semáforo, indicando a concentração de determinados nutrientes nos produtos, por meio da exibição de códigos de cores vermelha (alto), âmbar (médio) e verde (baixo). Nós atualmente questionamos a eficácia deste sistema através de dois experimentos que testavam o efeito das cores desse sistema de rotulagem sobre a resposta emocional dos participantes diante da imagem de alimentos ultraprocessados. A resposta emocional às imagens apresentadas era aferida por meio de escalas psicométricas e da resposta cerebral dos participantes, capturada pela técnica de eletroencefalografia.

Os resultados mostraram que as cores do sistema de rotulagem em forma de semáforo podem gerar um efeito indesejado: os participantes se sentiram mais atraídos pelos produtos doces quando pareados com a cor vermelha. Essa cor pode predispor, sem que o consumidor perceba, uma aproximação a produtos ultraprocessados de sabor doce, por meio de uma associação implícita entre os sentidos da visão e paladar. A associação implícita de sabor com cores é amplamente discutido na literatura de design de embalagens, porem pouco estudada em relação aos sistemas de rotulagem. Seu efeito se dá através de uma expectativa gerada (pela visão) que, quando cumprida, aprimora a experiência perceptiva (do paladar). Esse efeito é contrário ao desejado. Como o uso do vermelho em sistemas de rotulagem nutricional é muito frequente, esses achados trazem uma nova visão sobre o design de sistemas para a saúde pública.

Além disso, investigamos em outro projeto o quanto os produtos ultraprocessados são capazes de evocar respostas emocionais positivas. Em um estudo conduzido pelo nosso grupo, mostramos que alimentos ultraprocessados evocam uma forte reação emocional positiva, o que poderia promover uma alta predisposição a consumi-los a despeito das consequências negativas associadas ao seu consumo. Neste estudo foi aplicado uma metodologia padrão, no âmbito de uma sub-área das neurociências, denominada psicofisiologia, para entendermos a emoção dos indivíduos frente a essas imagens por meio de escalas que medem duas dimensões da emoção, que são o prazer hedônico e a ativação emocional. Foi observado neste estudo que as imagens de alimentos ultraprocessados promoveram nos participantes uma reação extrema de prazer hedônico e ativação emocional. Esse resultado é importante, uma vez que a emoção positiva evocada ao se visualizar um alimento, é um importante fator das escolhas alimentares, o que pode determinar a escolha de um alimento ultraprocessado em detrimento de outro, menos processado industrialmente e mais saudável.

Dra. Isabel Antunes – Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento (UFF).

Publicado: fevereiro de 2021.

Laboratório de Fisiologia Endócrina e Metabologia

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